Transição dupla e desigualdades regionais
- João Leitão
- 28 de out. de 2022
- 4 min de leitura

Uma das aspirações políticas fundamentais da União Europeia (UE) é a de mitigar o fosso de prosperidade entre as regiões. Para cumprir este objetivo, a política de coesão “levantou” as portagens das autoestradas digitais e verdes, incorrendo no risco de fazer acelerar as desigualdades regionais.
Neste sentido, a Europa tem vindo a encetar uma trajetória de mudança tecnológica em direção a uma transição digital e verde que está a alterar, drasticamente, a forma como a sua economia funciona, com implicações radicais para os membros da sociedade. Quão bem preparadas estão as regiões para capitalizar esta transição dupla? E que impacto terá ela na coesão regional no espaço europeu?
Tendo como referência as novas evidências aportadas pelo estudo intitulado: ‘The Future of EU Cohesion: Effects of the Twin Transition on Disparities across European Regions’; desenvolvido por uma equipa multidisciplinar do Vienna Institute for International Economic Studies[1], conclui-se que a combinação da digitalização e descarbonização da economia irá, provavelmente, agravar o fosso entre regiões ricas e pobres na Europa.
Lançando luz sobre o futuro do crescimento e da coesão regional em toda a UE, o estudo apresenta novos dados para um total de 230 regiões NUTS II sobre o seu potencial de crescimento geral e a sua aptidão para lidar com as oportunidades e os desafios específicos da digitalização e descarbonização das suas economias.
O ponto de partida do estudo é uma estimativa do potencial de crescimento económico geral. As regiões do Leste da Europa que exibiram períodos prolongados de crescimento nas últimas décadas, denotam um cenário pior, em termos prospetivos, no que diz respeito a potencial de crescimento futuro, na medida em que as primeiras têm pontuações mais baixas para os principais motores de crescimento, designadamente o emprego altamente qualificado, o investimento ou a inovação. Esse cenário é replicado nas regiões do Sul da Europa, que já experimentaram um desenvolvimento económico estagnado e cujo potencial de crescimento futuro demonstra ser inferior ao das regiões do Ocidente e Norte da Europa.
Acresce ainda que, as regiões da UE estão preparadas e aptas, em níveis muito diferentes, para usufruir dos benefícios ou suportar os custos associados tanto à digitalização, como à descarbonização das suas economias. Por exemplo, regiões com altos níveis de produtividade do trabalho, bom acesso à Internet, ou altos níveis de sofisticação empresarial e gestão empresarial, estão melhor preparadas e aptas, para beneficiarem de uma economia digitalizada.
Outras regiões estão melhor preparadas para descarbonizar a sua produção industrial, o setor dos transportes ou o parque habitacional. Por seu turno, algumas regiões estão melhor preparadas para enfrentar a transição dupla, ao passo que muitas não estão particularmente preparadas e aptas para nenhuma delas.
O mesmo estudo revela ainda que as regiões urbanas e metropolitanas, que se especializam principalmente em serviços intensivos na incorporação de conhecimento, têm elevados níveis de aptidão para a transição digital e verde, bem como um elevado potencial de crescimento.
As regiões melhor posicionadas a nível europeu incluem, Lisboa Berlim, Bratislava, Budapeste, Varsóvia, Praga, Estocolmo e Colónia, mas também incluem regiões em torno da zona alpina no centro da Europa, o que aponta no sentido de se ter um perfil-tipo de regiões com boas acessibilidades, centralidade e polarização de capital humano e industrial.
Por contraposição, o estudo mostra também que particularmente as regiões rurais e agrícolas em Espanha, Grécia, Sul de Itália e Roménia, e as regiões mineiras na Polónia e Eslováquia evidenciam baixos níveis de aptidão digital e verde, assim como um baixo potencial de crescimento geral. Estas regiões irão muito provavelmente ficar ainda mais atrasadas devido à transição dupla, sugerindo um perfil-tipo de regiões periféricas de média/baixa densidade populacional e industrial, sujeitas a pressões crescentes de esvaziamento populacional e industrial.
O estudo mostra que a dupla transição irá acentuar o fosso entre as regiões da UE com boas e más perspetivas económicas. Nos anos vindouros, a transição digital e verde irá aumentar, ainda mais, as disparidades entre regiões europeias, uma vez que as mudanças estruturais necessárias serão mais facilmente empreendidas por regiões já altamente desenvolvidas, localizadas principalmente no núcleo central europeu, em termos geográficos e políticos do processo de decisão. Por contraste, as regiões da periferia, que já estão atrasadas e afastadas dos centros de decisão, irão enfrentar encargos adicionais para melhorar a sua posição competitiva.
A este duplo propósito, que papel teve, tem e terá a dívida pública na construção de uma capacidade plena de digitalização e descarbonização das regiões mais atrasadas da UE? E a política de crescimento sustentável, onde é que ela mora?
Estas constatações alertam para uma ameaça que a Europa enquanto bloco uno, solidário, socialmente responsável e sustentável, deve saber antecipar, reequacionando e reorientando a sua futura política de coesão para melhor superar os novos desafios de convergência criados por esta dupla transição, em curso, no sentido de travar o agravamento das desigualdades regionais. Para terminar, tal objetivo solidário pode ser atingido através da construção de novos sistemas regionais de inovação inteligentes, no espaço transeuropeu, que considerem positivamente a integração das diferentes necessidades de desenvolvimento sustentável das regiões da UE. Podem começar por criar programas de substituição da dívida pública por programas mutualizados de emissão de obrigações verdes e sustentáveis, bem como acelerar o investimento produtivo orientado para o consumo de produtos regionais e certificados!
João Leitão
Universidade da Beira Interior
[1] Acesso ao estudo: https://www.bertelsmann-stiftung.de/fileadmin/files/user_upload/221012_EZ_Study_The_Future_of_EU_Cohesion.pdf
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