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Programa de Resiliência Regional: Inovador e Transformador

  • Foto do escritor: João Leitão
    João Leitão
  • 24 de jun. de 2021
  • 4 min de leitura

O conceito de resiliência está na moda, em especial, no âmbito das literaturas cruzadas de ciência regional e de geografia económica, sobretudo, por via do interesse renovado em analisar as condições e os fatores que condicionaram a recuperação, mais ou menos rápida de algumas regiões, após a crise económica e financeira mundial de 2008-2009, e mais recentemente, no contexto da atual crise de saúde pública mundial.

No entanto, o entendimento generalizado sobre o conceito de resiliência não é objeto de uma convergência profunda, pois tendo presente diferentes correntes das literaturas atrás mencionadas, a resiliência é genericamente entendível como a capacidade de adaptação multidimensional (de uma pessoa, uma empresa, uma região, uma nação ou um bloco de nações soberanas...) a uma situação adversa. Uma definição a priori simples, mas que comporta em si diferentes questões. A primeira: O que se entende por capacidade e como é desenvolvida? A segunda: O que se entende por adaptação? A terceira: Que tipos de situações adversas ou choques se podem encontrar? Na dimensão regional, a capacidade congrega em si a totalidade dos fatores endógenos, exógenos, idiossincráticos e, sobretudo, a inteligência cognitiva de aprendizagem, por parte de uma região com identidade, memória e trajeto. Relativamente ao conceito de adaptação, há três grandes correntes: a literatura de engenharia; a corrente ecológica; e a corrente evolucionista. A literatura de engenharia aponta para um processo de regresso a um status quo estabelecido, ou seja, a resiliência de uma região corresponde à capacidade de absorver um choque e regressar à situação de equilíbrio em que se encontrava antes desse impacto externo. Na corrente ecológica, é aceite que a adaptação é direcionada para uma fase diferente da anterior ao impacto, contudo, esta nova trajetória configuraria também um estado de equilíbrio. Por contraposição, a corrente evolucionista aborda a adaptação como um processo de transformação inteligente, em que a resiliência é precisamente a capacidade de uma região se renovar e transformar após um choque.

Os planos de recuperação aprovados recentemente, ao nível Europeu, por exemplo, tentam ligar a recuperação económica a trajetórias de crescimento mais sustentáveis, equitativas e justas. Por outras palavras, o processo político e negocial de bailout (isto é, de injeção de liquidez) propõe uma transformação e renovação das atividades produtivas, ou seja, um processo de adaptação transformadora. Assim, caso não seja adotada uma abordagem evolucionista de resiliência à crise, ou seja, seguindo uma perspetiva de engenharia ou ecológica, os processos de adaptação destinar-se-ão exclusivamente à recuperação dos níveis de emprego ou riqueza pré-crise (por exemplo, PIB real), sem considerar o PIB potencial. Na realidade, a pandemia deve ser enfrentada como uma janela de oportunidades para gerar novas trajetórias de crescimento, a fim de enfrentar grandes desafios societais, tais como as alterações climáticas, a neutralidade carbónica e o envelhecimento das pessoas.

É de realçar que as diferentes correntes na literatura sobre resiliência se concentram em processos de adaptação, comportando diferentes horizontes temporais. Vale a pena notar, por exemplo, que uma emergência como uma pandemia ou um terramoto requer um tipo de adaptação a mais curto prazo, de recuperação da situação antes da crise. Logo, poder-se-ia adotar uma visão de engenharia ou ecológica da resiliência. Contudo, quando a recuperação de um choque requer não só profundas reformas e transformações das atividades produtivas, mas também da cultura e dos valores civilizacionais e humanitários, a perspetiva evolucionista fornece conceitos e aprendizagens úteis para processos de resiliência a longo prazo. Na realidade, os processos de adaptação face a um acontecimento isolado não devem ser considerados episódios esporádicos sem ligação, mas sim parte integrante da mesma história. Em termos mais simples, é imprescindível adotar uma perspetiva histórica, evolucionista e ecossistémica para melhor compreender os processos de adaptação e a resiliência dos territórios.

Nesta linha de pensamento, a corrente evolucionista posiciona a resiliência regional como a capacidade de um ecossistema ou de uma região resistir, adaptar-se, responder e/ou recuperar de um choque ou crise. A importância de considerar a resiliência como uma capacidade, implica o reconhecimento da natureza evolutiva e da influência da aprendizagem na resiliência regional. Pontuando: as regiões que aprendem com as crises anteriores, são mais resilientes! Acresce ainda que a vulnerabilidade de uma região a um impacto depende do grau de desenvolvimento desta capacidade de resiliência no passado e, por sua vez, os processos de adaptação colocados em prática para lidar com choques externos e idiossincráticos condicionarão a futura resiliência regional.

De acordo com o estado da arte, a resiliência é um processo dinâmico com quatro fases: (1) a vulnerabilidade de uma região a um choque externo; (2) a resistência de empresas, trabalhadores e instituições a tais impactos; (3) a capacidade de adaptação e reorientação; e (4) o grau e a natureza da recuperação; que irão condicionar a vulnerabilidade futura da região a novos choques. Assim, a capacidade de uma região na fase de resistência constitui a resiliência de curto prazo, enquanto que a sua capacidade na fase de reorientação é a base constitutiva da resiliência de longo prazo, que é um fator-chave na determinação da vulnerabilidade futura e do desenvolvimento sustentável da região.

Não esquecer que, os processos de resiliência dependem das trajetórias de crescimento passadas da região, da natureza e da profundidade do choque (um choque produzido por uma pandemia não é o mesmo que um choque produzido por uma recessão económica) e de variadas características regionais, de entre as quais se destacam, os recursos, as capacidades, as competências, os clusters e as especializações produtivas, que a região possui no momento da crise, bem como as medidas políticas nacionais, regionais e locais implementadas como respostas à crise.

A estes fatores acrescem ainda a qualidade e a assertividade da governação, que devem ser garantidas nas respostas customizadas aos choques, assim como a importância das agências e dos atores responsáveis pela implementação futura de um Programa de Resiliência Regional, que atenda às diferenças em termos de trajetória histórica, clusters, estruturas de ciência e tecnologia, especializações produtivas, pegada ecológica, respostas passadas a choques, e demografia residente e móvel. Assim sendo, um novo Programa de Resiliência Regional: Procura-se inovador e transformador, de preferência!


João Leitão

Universidade da Beira Interior

 
 
 

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