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Por um Novo Pacto Social e Democrata para Portugal

  • Foto do escritor: João Leitão
    João Leitão
  • 8 de dez. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 10 de jan. de 2022


Nas agendas políticas internacionais e nacionais existem alguns tópicos transversais, que fazem cair em desuso a distinção recorrente entre a ala esquerda e a ala direita, colocando o foco nevrálgico no centro. De facto, algumas das agendas políticas propostas recentemente, visam preparar a força de trabalho para as novas tecnologias, assumindo que os governos devem melhorar os programas formais de educação e formação, e adequar melhor estes últimos às novas exigências do mercado de trabalho (por exemplo, programar, produzir linhas de código, minerar dados, ser humanista, liderar, trabalhar em equipa, negociar, gerir com inteligência emocional, etc.). Neste contexto de transformação digital, urge melhorar a proteção social e a segurança social, especialmente para os novos trabalhadores da economia gig, ou freelancer, com contratos de trabalho no mínimo atípicos ou como alguns gostam de apelidar, mais flexíveis.

Nas últimas décadas, o declínio do poder de negociação dos trabalhadores levanta a necessidade de estabelecer novas formas de diálogo social e cooperação entre comunidades de empregadores e empregados. Deve ser introduzida uma tributação progressiva melhor concebida, no sentido de fazer face ao aumento da desigualdade dos rendimentos e das produtividades. As políticas antimonopólio devem ser revigoradas para aumentar a competição, até níveis moderados, particularmente no que diz respeito às plataformas dos meios de comunicação social, redes de energia e novas tecnologias, e garantir, deste modo, a maximização da intensidade de inovação. Aqui a criação pensada de novas comunidades de energia e 5G, consubstanciará um conjunto de reformas muito bem-vindas, tendentes ao aumento do bem-estar social.

No seu conjunto, estas reformas alterariam substancialmente o modo de funcionamento da nossa economia. Contudo, não alteram a narrativa sobre como as economias de mercado devem funcionar, nem tão pouco representam uma rutura radical com uma política industrial de inovação, que salvo melhor opinião, não está enraizada em Portugal. De forma um pouco mais crítica, essas reformas ainda escapam ao desafio central que temos de enfrentar, ou seja, reorganizar a produção, atendendo à complexidade da produção de bens e prestação de serviços.

Os nossos principais problemas sociais e económicos, nomeadamente a pobreza, a desigualdade, a exclusão e a insegurança, têm raízes múltiplas. Contudo, os primeiros são continuamente reproduzidos e reforçados diariamente nos processos de produção, como subprodutos imediatos das decisões das empresas em termos de emprego, investimento e inovação.

Estas decisões estão repletas de externalidades, pois acarretam consequências que se estendem a outras pessoas, empresas e partes da nossa economia. Tais repercussões também incluem o que se poderia apelidar de externalidades de "bons empregos". Na verdade, "bons empregos" são aqueles que são relativamente estáveis, pagam suficientemente bem para sustentar um nível de vida razoável com alguma segurança e poupança, proporcionam condições de trabalho seguras, promovem a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional, e também oferecem oportunidades de progressão na carreira. As instituições e empresas que os geram, contribuem de forma sustentável para a vitalidade das suas comunidades envolventes e promovem a produtividade através do reconhecimento e da inovação.

Por contraposição, a falta de “bons empregos” conduz a elevados custos sociais e políticos, não contabilizados, mas expressos por famílias desfeitas, adições, incluindo o flagelo transgeracional do jogo, e o crime, bem como o declínio de confiança no governo, nos peritos e nas instituições, a polarização partidária e o nacionalismo populista. Existem também ineficiências económicas associadas, uma vez que as tecnologias e as novas formas de gestão que contribuem para o acréscimo marginal da produtividade, permanecem engarrafadas em poucos produtores e prestadores de serviços, não se espalhando com facilidade, o que concorre positivamente para um crescimento anémico dos salários.

As decisões das empresas sobre quantos trabalhadores empregar, quanto pagar, e como organizar o trabalho não afetam apenas o valor do resultado final. Quando uma empresa decide pela automação total da sua linha de produção ou pela subcontratação de parte da sua produção em outro país, a comunidade local sofre danos irreversíveis, a longo prazo, que não são "internalizados" pelos gestores ou proprietários do capital social das empresas.

A resolução destes problemas requer uma estratégia diferente que aborde diretamente a criação de "bons empregos". A incidência das políticas públicas de investimento, inovação e emprego deve centrar-se nas empresas, para estas últimas poderem internalizar as repercussões económicas e sociais que provocam. Por conseguinte, o setor produtivo deve estar no epicentro de um Novo Pacto Social e Democrata para Portugal. O pressuposto implícito é que os "bons empregos" da classe média estarão disponíveis para tod@s com competências adequadas. Nesta perspetiva, deve ser priorizada a democratização da inclusão, da igualdade de género e do combate à desigualdade de produtividades, combinando despesas com educação e formação, com um sistema progressivo de impostos e transferências, bem como o lançamento de um seguro social contra riscos idiossincráticos, tais como os atrasos estruturais, o desemprego, a doença física e mental, a idade maior, a prestação de cuidados a ascendentes e descendentes, e a deficiência.

As políticas ativas do mercado de trabalho concebidas para aumentar as competências e a empregabilidade devem ser alargadas a parcerias com empresas e visar explicitamente a criação de “bons empregos”. Nesta linha de ação proposta, as políticas industriais e regionais que se centram em incentivos fiscais e subsídios ao investimento devem ser substituídas por serviços empresariais personalizados e incentivos à criação de emprego qualificado e estável.

Os sistemas nacionais de inovação precisam de ser redesenhados para orientar os investimentos em novas tecnologias numa direcção mais favorável à criação de emprego estável e seguro. E as políticas de coesão territorial devem ser explicitamente ligadas à criação de emprego nas comunidades mais atrasadas e à redução dos atrasos estruturais.

Acima de tudo, um Novo Pacto Social e Democrata para Portugal deve abandonar a tradicional separação entre as políticas pró-crescimento e as políticas sociais. Um crescimento económico mais rápido exige a disseminação de novas tecnologias e oportunidades produtivas entre as empresas de menor dimensão e segmentos mais vastos da força de trabalho, em vez de limitar a sua utilização a uma certa elite empresarial e/ou familiar. Em termos simples, as novas agendas mobilizadoras do crescimento, da inovação e da inclusão económica e social, devem promover a sua fusão, no sentido de garantir melhores perspetivas de emprego e, deste modo, reduzir a desigualdade e a insegurança económica de forma mais eficaz do que apenas a prática conveniente da redistribuição fiscal indutora de níveis de consumo insustentáveis.


Versão publicada no Jornal do Fundão,

15 de dezembro, de 2021

João Leitão

 
 
 

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