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Por 1 Plano Estratégico Municipal da Água e do Regadio Sustentáveis

  • Foto do escritor: João Leitão
    João Leitão
  • 1 de jul. de 2020
  • 10 min de leitura

O foco aglutinador da presente moção é a necessidade premente de definir, estrategicamente, as políticas da água e do regadio no Município do Fundão.

O primeiro ponto que me parece ser de destacar é o de estabelecer a necessidade e imprescindibilidade do planeamento e da expansão estrategicamente pensada do regadio no concelho do Fundão e na Cidade-região da Cova da Beira. Isso deve-se às particularidades do mix característico de clima atlântico mais clima mediterrânico, que se traduz, entre outras nuances climatéricas e ambientais importantes, pela existência de um prolongado período de défice hídrico acentuado, precisamente na época do ano mais favorável à produção primária. Relativamente à variação espacial da precipitação no território de Portugal Continental, regista-se a existência de défices hídricos anuais em percentagem compreendidos entre os 10%, no Noroeste, e os 30%, no Centro e no Sul.

Para completar o retrato, acrescenta-se que, em termos futuros, e em função das predições dos modelos que estudam os fenómenos associados às alterações climáticas, espera-se um agravamento continuado desta situação, que, genericamente, pode ser traduzido pelas seguintes tendências:

- Redução da precipitação total, quer no período de Inverno quer de Primavera;

- Redução das afluências por bacia hidrográfica estimadas em 23% a 8%, num horizonte de 25/30 anos;

- Agravamento do índice de aridez (dado pela razão entre precipitação e evapotranspiração potencial) traduzido pela expansão da classe “semiárido” a todo o centro e sul do território; e

- Evolução previsível de acréscimo das necessidades de água em geral (estimadas à escala de bacia hidrográfica) e para a rega em particular.

Representando a comparação entre disponibilidades e necessidades de água, o balanço hídrico à escala de bacia hidrográfica, combina elementos climáticos, hidrométricos e de qualidade da água com variáveis de natureza social e económica (utilizadores, consumos, necessidades e preços) à referida escala, pressupondo, igualmente, a definição de métodos de projeção futura da procura da água por setor utilizador. Esses balanços indicam que:

- As disponibilidades potencias de água são relativamente elevadas, sobretudo a Norte, mas assimetricamente distribuídas: vivemos, pois, num paradoxo de escassez, ao nível local ou regional, e na abundância, ao nível nacional;

- O índice de escassez, que mede a razão entre a oferta e a procura potenciais de água no contexto de um determinado território ou de uma dada bacia, era de 14% para Portugal em março de 2019, ou seja, que o país se encontrava numa situação de escassez reduzida. No entanto, a mesma análise efetuada por bacia hidrográfica, revelava importantes assimetrias regionais, decorrentes sobretudo da distribuição de recursos hídricos;

De forma contabilística e estatisticamente fundamentada, o Instituto da Água - INAG - não tem dúvidas em afirmar que a atual capacidade de armazenamento do país não é suficiente para garantir a manutenção de abastecimento futuro a todas as utilizações de água.

Neste contexto, torna-se importante salientar alguns números genéricos e agregados acerca da importância do regadio em Portugal. De forma concisa, e com base em dados da Federação Nacional de Regantes (FENAREG), sublinha-se que:

· A agricultura é o principal utilizador de água em Portugal, representando, hoje, cerca de 60% dos consumos de todos os setores (agricultura, indústria, urbano e energia);

· O regadio representa cerca de 12% da superfície agrícola utilizada, 52% das explorações agrícolas portuguesas pratica a rega, sendo responsáveis por mais de 60% da produção agrícola nacional;

· Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a uma evolução tecnológica notável que se traduziu por aumentos de eficiência (+56%) e de produtividade da água (+70%);

· O efeito multiplicador do regadio pode ser aferido pelo facto de, em média, 1 ha de regadio produzir 5x mais do que 1 ha de sequeiro e 11 vezes mais do que 1 ha da restante superfície agrícola utilizada;

· O acréscimo da pressão sobre os recursos, decorrente da expansão e intensificação do regadio em Portugal previsível até 2030, é da ordem de + 45% para a energia e +30% para a água.

Com pragmatismo, pode pontuar-se que a agricultura de regadio contribui decisivamente para:

- A segurança alimentar;

- A produção a preços competitivos;

- A fixação de população e renovação geracional do setor;

- O desenvolvimento rural sustentável e a proteção do ambiente; e

- A mitigação das alterações climáticas.

Quais são então os principais trabalhos, objetivos e princípios básicos a incluir num futuro plano estratégico municipal da água e do regadio sustentáveis?

Os 4 grandes trabalhos estratégicos, a saber, as Alterações Climáticas, as Desigualdades, a Demografia e a Transição Digital, decorrem da interligação com os desafios societais e a prossecução de ações estratégicas, ao nível municipal, que permitam o cumprimento de diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, conforme preconizado pelas Nações Unidas.

A meu ver, dificilmente poderão ser imaginadas e pensadas outras políticas que sejam tão adequadas (no sentido de serem tão eficazes, eficientes, compreensivas e duradouras), como as políticas da água e do regadio para responder simultaneamente a estes 4 grandes trabalhos.

Com a vossa licença consentida, na minha visão, os três grandes objetivos que devemos priorizar numa política de gestão estratégica da água e do regadio são:

1. Assegurar a manutenção, conservação e expansão das infraestruturas e tecnologias de captação, armazenamento e distribuição de água para rega, no âmbito do Desenvolvimento de um Grande Sistema Hidráulico Nacional (GSHN) o que implica também articulação, porosidade, transvases e revisão dos acordos com as regiões Espanholas. Um tal sistema poderia contribuir, decisivamente, para o fortalecimento da garantia de água e o aumento da resiliência a fenómenos extremos climáticos (vulgo, cheias e secas);

2. Continuar a trajetória de melhoria da eficiência de uso da água, da energia e do azoto que lhe estão associadas, bem como dos respetivos sistemas de monitorização e gestão;

3. Estudar, desenvolver e implementar uma política de preços e tarifários da água competitivos e equilibrados, tanto do ponto de vista do utilizador como do fornecedor de água.

Num sentido mais amplo, a concretização do primeiro destes objetivos implica um exercício de planeamento global do território, enquadrando um máximo de informação disponível, para efeitos de definição de uma série de etapas que devem desenvolver-se de forma processual e iterativa. Dada a natureza transversal relativamente às suas distintas utilizações setoriais, que resulta da circunstância de a água ser um recurso indispensável à atividade da maioria dos setores que condiciona o desenvolvimento social, ambiental e económico, o planeamento dos recursos hídricos pressupõe o exercício de uma função predominantemente prospetiva, holística e coordenadora, que deve assentar em critérios de pré-qualificação (social, ambiental e económica) e de classificação do território, nomeadamente quanto aos valores (sobretudo se únicos) a preservar e proteger.

Para isso, o Município do Fundão terá de ser capaz de afirmar e explicar as suas particularidades e especificidades em matéria de regadio, e cooptar os restantes municípios da Cidade-região da Cova da Beira, envolvendo a totalidade da área da Gardunha, a Norte e, sobretudo, a Sul, e de lutar sempre e saber negociar para que diferentes níveis de interesses não venham a prevalecer sobre os critérios sociais, ambientais e económicos, necessários para ter uma Cidade-Região, que se quer produtiva, inovadora e sustentável.

Neste âmbito, entendo ser útil relembrar uma série de princípios básicos a respeitar/atender no âmbito do desenho e da construção participativa de uma política de gestão estratégica da água e do regadio sustentáveis, por exemplo: utilizador/pagador; poluidor/pagador; conservador/recebedor; cumprimento do caudal ecológico; balanço hídrico à escala de bacia hidrográfica e hierarquia de necessidades de consumo (humano, agricultura, outras atividades); equidade versus diferenciação (com impactos na competitividade e na eficiência); subsidiariedade (a propósito da governança dos sistemas); e fornecedor competitivo e fiável (refletido no preço e na garantia do fornecimento)

Que prioridades e pilares estratégicos de política de gestão estratégica da água e do regadio sustentáveis, poderemos/deveremos discutir com a sociedade civil?

Relativamente às prioridades, importa destacar as seguintes:

· Zelar pela manutenção das infraestruturas já existentes e promover a adesão nos regadios em que a sua taxa é reduzida;

· Desenvolver/instituir medidas agroambientais que promovam o uso eficiente da água e da energia, premiando por escalão quem é mais eficiente, em função da produção efetivamente realizada e da produtividade associada (e não, necessariamente, quem poupa mais…), promovendo o uso de tecnologias (de monitorização, prescrição, aplicação, etc.) de uso eficiente da água;

· Privilegiar o aumento da capacidade de armazenamento das águas superficiais, através da construção de novos reservatórios/barragens e promover a sua gestão articulada à escala nacional;

· Utilizar critérios de seleção para a localização dos novos investimentos em reservatórios e regadios, tendo em consideração o papel essencial do regadio na coesão territorial (económica, ambiental e social); e

· Estabelecer regras de gestão da água armazenada nestas infraestruturas que reflitam a multiplicidade de fins, criando medidas de prevenção de crises (planos de contingência) e de mitigação das alterações climáticas.

Depois, definir uma política global de gestão estratégica da água e do regadio sustentáveis, assente em pilares estratégicos, conforme os que se apresentam em seguida:

- Desenvolvimento de um Sistema Hidráulico Regional e Transfronteiriço

A concretização de um sistema hidráulico regional e transfronteiriço implica um exercício de planeamento global da Cidade-Região e a articulação concertada com as regiões Espanholas vizinhas, enquadrando um máximo de informação disponível, para a definição de uma série de etapas a desenvolver de forma processual e iterativa, envolvendo questões/análises relacionadas com: a aptidão territorial para o regadio; o Balanço hídrico (com articulação global do sistema e possibilidade de transvases entre bacias); Análises de Custo/Benefício e Estudos de Impacto Ambiental; e Reforço da coesão territorial. No estudo “Contributo para uma estratégia nacional para o regadio” (FENAREG, 2019) aponta-se para uma expansão de áreas de regadio de 250.000 ha (50% em regiões do interior), no horizonte de 2050 (ritmo de 10.000 ha/ano). O mesmo estudo, estima o aumento da capacidade de armazenamento em, pelo menos, um volume idêntico à redução das afluências superficiais previsto até 2070. Aumentar a capacidade de armazenamento de água, completando a regulação das nossas bacias hidrográficas, parece ser um desígnio fundamental, contribuindo, decisivamente, para uma maior regulação inter-anual e para a adaptação às alterações climáticas, através da construção de novas modalidades barragens, diques e charcas, em função das disponibilidades e características orográficas do território transfronteiriço objeto de intervenção.

- Competitividade

A propósito da competitividade importa: identificar as culturas possíveis de realizar e a respetiva disposição a pagar pela água; o tarifário da água (que levanta questões de equidade vs. diferenciação) e da energia (a taxa de potência fixa anual hoje praticada penaliza muito os agricultores que têm um pico de consumo sazonal); estudar a possível constituição de um Fundo de Equilíbrio de Tarifário (promover a equidade e a que escala?); melhorar a partilha de infraestruturas geridas por entidades independentes (como sucede no caso de alguns perímetros geridos por Associações de Regantes); estabelecer os apoios aos investimentos em equipamentos e sistemas de distribuição e gestão da água, aos investimentos em equipamentos e sistemas de produção de energia renovável (hídrica, eólica, fotovoltaica,….) e à Extensão/Formação executiva dos agricultores e regantes (Best Management Practices); conceber instrumentos de compensação efetiva aos agricultores que estejam/fiquem inibidos de adotar o regadio por questões ambientais/sociais; relativamente à energia avançar, prioritariamente, com contratos de potência sazonais e um programa para substituição das fontes de energia convencionais, por renováveis nas explorações de regadio e torná-las mais verdes e eco-inovadoras.

- Sustentabilidade

No âmbito deste pilar é preciso discutir questões relacionadas com: a procura fixa ou variável (culturas permanentes vs. anuais, devem estabelecer-se limites de expansão?); a garantia do fornecimento plurianual de água às culturas permanentes justifica/implica a majoração da permilagem, à semelhança do que acontece com outros utilizadores principais (indústria, turismo e abastecimento urbano)?; o desenvolvimento de planos de contingência (considerando as culturas anuais como atuando como o fusível do sistema) para situações de seca severa e prolongada; a possibilidade de alcançar economias de escala no redesenho e alargamento da área dos atuais perímetros; desenvolver tarifários escalonados por volumes de consumo, o que implica estabelecer limites de dotação eficientes por cultura; avançar com a certificação de boas práticas ambientais (medidas de uso eficiente da água, diretiva dos nitratos, etc.); melhorar e agilizar a gestão de conflitos em áreas protegidas/classificadas, instituindo pagamentos compensatórios por restrições impostas e/ou prémios por externalidades positivas decorrentes do regadio.

- Eficiência e Impactos ambientais

Promover este pilar implica a adoção de medidas relacionadas com: as atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) experimental em sistemas de apoio à decisão, dotações de sobrevivência, dotações eficientes, relações output/input ótimas, Yield Gap Analysis, Data Envelopment Analysis, etc.; as tecnologias da informação e computação relacionadas, entre outras coisas, com dados meteorológicos, sondas de humidade, sensores e Big Data Systems; a monitorização e auditorias aos sistemas de rega; a adoção da agricultura de precisão; a formação técnico profissional e a educação executiva (Best Management Practices); a certificação e rastreabilidade dos sistemas na ótica de incorporação das externalidades positivas; o binómio água-energia (desenvolver a autonomia energética do setor). No fundo, trata-se de atender às disposições da Diretiva Quadro da Água, aprovada em 2000, e às exigências institucionais (gestão por bacia hidrográfica), ambientais (melhoria do estado de qualidade da água) e económicas (recuperação dos custos e aplicação dos princípios do poluidor pagador e do utilizador pagador) aí definidas.

- Governança

A gestão em ambiente de escassez de recursos financeiros reforça a aplicação do princípio da subsidiariedade, sempre com o objetivo de melhorar a governação das entidades gestoras, sendo que a nossa atual Lei estabelece uma preferência pelo modelo associativo ou cooperativo. Mas o que verdadeiramente importa não é desresponsabilizar o Estado, mas sim manter e garantir a qualidade de serviço, preservar recursos naturais e qualificar o ambiente, o que por sua vez, implica rever contratos/títulos de concessão/uso de recursos hídricos, bem como uma especialização das entidades gestoras e a generalização de uma prática de gestão realmente profissional. É também necessário rever a lógica de articulação de sistemas que envolvem diferentes entidades (quem gere o quê? Rede primária/secundária/terciária). Tudo isto, pode implicar uma revisão dos tarifários, no sentido de alcançar uma repartição, justa e adequada, sobre os utilizadores de usos principais dos custos resultantes dos atos de gestão e exploração de acordo com o estipulado na Lei. Este último aspeto, prende-se, ainda, com a questão sobre se é desejável evoluir para uma harmonização tarifária no todo nacional, através da aplicação de instrumentos do tipo Fundo de Equilíbrio Tarifário? São igualmente necessárias correções tarifárias progressivas (respeitantes quer à água quer à energia), associadas a ações de reestruturação na geometria dos sistemas existentes e integrações (quer verticais quer horizontais), com o fim de conferir perspetivas de viabilidade a entidades gestoras em risco. É ainda fundamental a criação de novos modelos de gestão envolvendo a totalidade dos fins e usos da água (agrícola, urbano, industrial, ambiental, entre outros).

- Financiamento

No estudo “Contributo para uma estratégia nacional para o regadio” (FENAREG, 2019), aponta-se para um volume global de investimento, no período de 2021-2027, na ordem dos 1.650 milhões de euros. A origem de fundos é diversa: OGE, FEADER, FEDER, FSE, Fundo de Coesão, Fundo Ambiental, BEI e Privados. Quanto aos fundos privados colocam-se questões relacionadas com: a revisão dos Tarifários à luz de tudo o que já foi dito anteriormente; a criação de um Fundo de Equilíbrio Tarifário (sim ou não?); a Criação de um sistema de direitos transacionáveis da água (sim ou não?).

Para terminar, coloco à vossa consideração a votação desta moção que, em termos sumários, visa sublinhar a necessidade de desenhar um Plano Estratégico Municipal da Água e do Regadio Sustentáveis e identificar diversas necessidades e problemáticas que deveriam merecer, salvo melhor opinião, uma aturada discussão e uma subsequente tomada de posição, em sede da futura constituição de um grupo de trabalho (vulgo, Fórum) participativo e aberto à sociedade civil, a nomear com membros integrantes desta Assembleia e das associações representativas dos direitos e obrigações de agricultores, regantes, comerciantes, industriais, consumidores empresariais e privados, dedicado à temática estratégica da Água e Regadios Sustentáveis.

O Deputado

João Carlos Correia Leitão

Grupo Municipal do Partido Social Democrata

Fundão, 30 de junho, de 2020

 
 
 

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