Podcast: Oikonomia 14_Serra da Estrela com circularidade e biodiversidade
- João Leitão
- 21 de mai. de 2023
- 5 min de leitura

A Serra da Estrela é uma referência na geografia portuguesa e da Beira Interior, assumindo uma natureza diferenciadora na continuidade do planalto montanhoso da meseta ibérica, que urge reposicionar e valorizar através de políticas públicas orientadas para a biodiversidade e a circularidade.
Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2022, de 27 de setembro, que aprovou medidas em consequência dos danos causados pelos incêndios florestais no Parque Natural da Serra da Estrela, o Governo decidiu dinamizar um Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela (PRPNSE), cujos domínios temáticos são: 1. Pessoas, Inovação Social, Demografia e Habitação; 2. Economia, Competitividade e Internacionalização; 3. Ambiente, Proteção Civil, Florestas, Agricultura e Ordenamento; e 4. Cultura, Turismo e Marketing Territorial.
No que respeita às Pessoas, Inovação Social, Demografia e Habitação, é necessário lançar um programa que vise a educação executiva na fileira produtiva do queijo, sob a temática de: Economia Circular e Marketing do Queijo. Existe falta de qualificação e desconhecimento das práticas de circularidade aplicáveis a esta fileira. Este cenário consubstancia um problema de capital humano, de capital relacional, mas também de capital organizacional, que tolhe a competitividade dos produtores de um dos melhores Queijos do Mundo.
Relativamente à Economia, Competitividade e Internacionalização, é crítico promover a competitividade, o empreendedorismo e o crescimento económico sustentável. Tal deve ser garantido através da capacitação do tecido empresarial do território, apostando em investigação e desenvolvimento tecnológico.
É imprescindível aumentar a aposta em marketing, a internacionalização e a promoção dos ativos intangíveis do território, assentes nas tradições, nos usos, nos costumes e no empreendedorismo artesão, mas com vocação de exportação de pequenas gamas, com valor acrescentado e elevado reconhecimento da imagem de marca associada.
No território da Serra da Estrela, abordar a competitividade, ignorando a necessidade básica de promover a reflorestação e a biodiversidade enquanto ativos económicos deste parque natural, no sentido de travar a erosão, lidar melhor com as alterações climáticas e proporcionar o rejuvenescimento das atividades produtivas, é um erro persistente que poderá ser descontinuado. A iniciativa dos voluntários é fundamental, mas não é suficiente, sendo necessário operacionalizar programas de mecenato e de investimento socialmente responsável, com emissão de obrigações verdes e sociais, ou plataformas de crowdfunding amigas do ambiente, da biodiversidade, da recuperação dos solos e da reflorestação.
Seguindo uma lógica baseada no produto, por comparação com as iniciativas bem-sucedidas dos produtos endógenos produzidos e exportados por Espanha, França e Itália, considera-se fundamental encetar iniciativas públicas e privadas que promovam a criação de um Programa Certificado de Produção e Consumo do Leite de Montanha.
No turismo sustentável, há que fazer mais e melhor para defender e valorizar a atividade ancestral ligada ao pastoreio e ao negócio de gado, por intermédio da criação de Rotas Multissetoriais dos Pastores, com certificação e selo de qualidade.
Todas estas atividades merecem ser enquadradas numa lógica mais abrangente e estratégica de valorização da denominação de origem protegida, é com essa motivação que se entende haver uma oportunidade a explorar para se investir na organização da DOP Summit, no sentido de proporcionar visibilidade aos produtos DOP e reforçar a capacidade exportadora dos produtores e empreendedores artesãos.
No domínio do Ambiente, Proteção Civil, Florestas, Agricultura e Ordenamento, é fundamental empreender atividades inovadoras de planeamento e ordenamento para aumentar a resiliência do território. Aqui sublinha-se a necessidade de questionar se não seria diferente ter um Parque Nacional da Serra da Estrela? E a inércia face à complexidade das questões relacionadas com o ordenamento e a gestão dos baldios é para manter? Pois, sendo uma tarefa difícil, não será impossível se forem pensadas contrapartidas e compensações económicas, que podem estar associadas a novas formas de organização cooperativa da produção, bancos de terras e comunidades de energia.
Atravessar a Serra da Estrela, faz-nos pensar e refletir sobre o que nos trouxe até aqui. Fruto dessa reflexão, considera-se imprescindível aumentar a biodiversidade e o restauro ecológico, promovendo e mantendo o mosaico agro-silvo-pastoril sustentável.
O capital relacional deste território que entrou em declínio perdeu capacidade de influência e de determinação. Não se trata de uma dimensão menor, cujo decréscimo concorre negativamente para a sustentabilidade do território e das pessoas. O valor das pessoas é proporcional ao valor das suas relações, por isso urge encontrar novas formas de promoção e inovação do capital relacional para combater a desvitalização do território.
A proteção dos ativos animais e o aumento do seu stock residente, devem ser prioridades a ter em linha de conta na valorização dos recursos endógenos, por exemplo, através do aumento do número de caprinos e ovinos autóctones acompanhando toda a fileira de subprodutos (leite, queijo, etc.).
Para viabilizar a exploração das prioridades identificadas, tem-se como necessária a criação de Zonas de Biodiversidade e Preservação de Raças Autóctones para Pastorícia e Mitigação das Alterações Climáticas.
No domínio da Cultura, Turismo e Marketing Territorial, a Serra da Estrela deve ser posicionada como o primeiro destino de natureza, saúde e bem-estar. Duas iniciativas altamente diferenciadoras que podem ser promovidas, tendo as instituições de ensino superior, os municípios empreendedores e os empreendedores artesãos como motores de propulsão, são: uma Rede de Ecomuseus de Turismo Industrial (lã, burel e outros processos e/ou produtos artesanais); e uma Rede de Unidades de Turismo Sustentável: Abrigos em Territórios de Montanha, que permita refuncionalizar o património das Matas Nacionais.
Nos Territórios de Montanha devem ser criados laboratórios vivos de circularidade e biodiversidade. Neste sentido, é necessário inovar e valorizar a cadeia de valor destes territórios, considerando três atividades principais. A primeira atividade, integrando uma abordagem circular e soluções baseadas na natureza, é a valorização dos ativos tangíveis e intangíveis, por intermédio de certificação, biodiversidade, pastorícia, reflorestação, qualidade e sanidade das produções. A segunda atividade abrange a educação, a formação profissional e a gestão de nov@s pastor@s. A terceira é a do Marketing do Lugar, que através da participação e dinamização de feiras internacionais, lojas próprias, restaurantes baseados nos lugares, eventos com visibilidade internacional com foco na saúde, bem-estar e espiritualidade, devem apontar para novas lógicas de exploração de oportunidades baseadas nos produtos e nas marcas de produtos, tais como o queijo, o cabrito, o borrego, o burel, o mel, o vinho, as plantas aromáticas, as ervas medicinais e o cardo.
Para terminar, e porque se entende que não ficaria completa a tentativa de pensar a Serra da Estrela, sob uma lente de políticas públicas de circularidade e biodiversidade, sem propor uma agenda de investimentos públicos e privados, aventa-se um conjunto ambicioso de projetos e iniciativas sustentáveis tendentes ao investimento produtivo e circular, que aqui se deixa para as gerações vindouras concretizarem, mas sem muitas demoras ou bloqueios intrarregionais ou pessoais. Para eventual consideração por parte do leitor e dos decisores políticos, propõem-se os seguintes investimentos infra-estruturais: (I) Rede de interconexão de telecomunicações (para eliminar as Zonas Brancas); (II) Corredor Verde na Serra da Estrela; (III) Mini hídricas e manutenção dos cursos de água; (IV) Reflorestação e biodiversidade dos ecossistemas naturais e ambientais da Serra da Estrela; (V) Áreas Integradas de Gestão de Paisagem; (VI) Construção de Barragens e de nova fase do Regadio da Cova da Beira; (VII) Redes de Unidades de Turismo Sustentável; (VIII) Redes de Vias de Observação de Paisagem e das Espécies Vegetais e Animais; (IX) Centro de Alto Rendimento Desportivo ligado à água, com valências de treino e recuperação em altitude; e (X) Centro Europeu de Investigação & Desenvolvimento, com foco na Inteligência Artificial e Alterações Climáticas.
Por uma Serra da Estrela com Circularidade e Biodiversidade! Por um território uno e equilibrado, com um futuro sustentável!
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