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Descentralização e Política de Regionalização

  • Foto do escritor: João Leitão
    João Leitão
  • 22 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

A Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias entrou em vigor no passado dia 17 de setembro, de 2018, demonstrando ser pouco ambiciosa e evidenciando a inexistência de uma Agenda de Reforma do Estado; não revelando o modelo social do Estado, nem tão pouco o modelo de cuidados de saúde, a nível nacional, regional e local. É, intencionalmente, omissa, em relação à programação orçamental do investimento público para os próximos quadros orçamentais plurianuais; o mesmo sucedendo com a política e competitividade fiscal das regiões; e sobre as formas não pensadas de discriminação que respeitem o estatuto das regiões de baixa densidade.

Assiste-se a uma inversão do nexus reformista, o qual deveria ter por base a Reforma do Estado (com a regionalização); seguindo para a descentralização multinível, ou seja, ao nível intermunicipal, ao nível municipal e ao nível das freguesias, e terminando na reforma das finanças locais. Na verdade, a Lei-quadro faz transparecer que o modelo de Estado não está definido, em termos dos níveis regional, sub-regional e freguesias, fazendo apenas menção às novas competências descentralizadas atribuíveis às freguesias das áreas metropolitanas. A dimensão rural foi ignorada, bem como a dimensão dos serviços de proximidade e mobilidade flexível. A Lei-quadro é também um exercício legislativo que ignora a necessidade de manutenção do espaço rural e o equilíbrio das espécies e a biodiversidade, falta, pois, sustentabilidade e transversalidade nas políticas e na intervenção.

O tema genérico da regionalização é bem o espelho do nosso sistema político vigente: há 40 anos na Constituição e não está resolvido. Porquê? Porque não dá votos e porque ilustra bem as diferenças de pesos: político; eleitoral; económico; e outros; entre o Interior e o Litoral!

Há, contudo, uma questão base que é crucial para o sucesso da regionalização: o mapa das regiões. A reforma do Estado, com uma consequente nova divisão (entenda-se, (r)eunião) do país não é uma mera questão burocrática, é uma matéria muito sensível, que mexe com as pessoas e as suas referências, devendo, por isso, ser evitadas mudanças radicais. Partir a Beira Baixa, é romper com a nossa história e a nossa cultura, ter três comunidades intermunicipais no Distrito de Castelo Branco é inequivocamente demonstrativo da incapacidade de (re)unir as pessoas e as instituições em torno de um destino, uma estratégia e uma política comum.

Urge, portanto, delinear uma política de regionalização alinhada com a única estratégia de desenvolvimento regional em relação à qual não há razões para ter dúvidas, na conjuntura das duas próximas legislaturas (2019-2027), ou seja, aquela que preconize que é possível fazer mais e melhor com menos recursos, de forma sustentável. Eis, pois, o meu humilde contributo para o debate sobre a regionalização no século XXI, sob a forma de um sistema proposto de 10 pilares de ação, que podem servir de sustentáculo a uma política de regionalização, nomeadamente:

1. Rever o modo de ver o problema, pois a regionalização é uma questão prioritária da política de desenvolvimento territorial sustentável e não somente de reforma da divisão administrativa do território e das finanças locais, não obstante a segunda e a terceira serem imprescindíveis, mas por outra ordem de atuação e reforma;

2. Tornar a Lei-quadro da descentralização político-administrativa flexível e evolutiva, incluindo vetores de discriminação positiva e de avaliação da performancede todas as regiões, inclusive, as de baixa densidade;

3. Promover a identidade, a imagem de marca, a mobilização regional e a qualidade de vida das regiões, reforçando a competitividade territorial;

4. Escalar a cadeia de valor da programação e do planeamento regional, adotando novas estratégias de investimento, financiamento, industrialização e ocupação eco sustentável das regiões;

5. Fazer o País mais internacional, com base em regiões fortes, abertas, avançadas e inclusivas;

6. Desfazer os equívocos que confundem centralização com centralidade e racionalização com racionalidade, para fazer avançar estruturas de governo verdadeiramente descentralizadas e participadas de baixo para cima, procurando servir todas as regiões com lógicas mistas de proximidade e eficácia;

7. Fomentar a cultura política do processo de regionalização, visando educar e empoderar os habitantes de todas as regiões, inclusive os das regiões de baixa densidade;

8. Aceitar que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) são uma excelente base de partida para a política de regionalização;

9. Alterar a política regional no quadro da coesão territorial da União Europeia e da cooperação transfronteiriça transpeninsular; e

10. Aumentar a proximidade e a cooperação transfronteiriça no quadro peninsular e europeu, ultrapassando a dimensão ibérica e apostando fortemente nas relações Atlânticas, Mediterrânicas e às restantes penínsulas regionais europeias, em transição, sobretudo, no Leste e Báltico Europeu.

As regiões devem ainda ser repensadas em termos das especializações inteligentes e competitivas das atividades tradicionais e emergentes, tendo como ponto de partida os mapeamentos de clusters industriais e as implicações derivadas dos estudos sobre cachos de inovação aberta associados a atividades concentradas espacialmente em torno dos motores centrais de inovação e desenvolvimento regional, os seja, as redes de instituições de ensino superior universitárias e politécnicas.

A política de regionalização é, deste modo, a via preferencial para dar continuidade à filosofia Schumpeteriana e reformadora da Estratégia de Lisboa (março de 2000), em todo o espaço europeu, que tem no seu capital intelectual: humano; organizacional; social; relacional; histórico; étnico; religioso; e cultural; o recurso essencial para retomar o processo de convergência real, através do crescimento endógeno de base regional. A mudança tecnológica e o empreendedorismo são as alavancas desse crescimento endógeno, podendo contribuir, de forma transformadora e convergente, para a redução das desigualdades económicas, sociais e políticas, que separam um território caracterizado por uma dicotomia bem visível: Litoral versus Interior de Portugal.


João Leitão


Universidade da Beira Interior

Núcleo de Estudos em Ciências Empresariais (NECE)


Apresentado como recomendação na Assembleia Municipal do Fundão

Publicado no Jornal do Fundão

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