Como construir um Sistema Alimentar na Região-Cidade da Beira Interior?
- João Leitão
- 7 de mai. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2022

A resposta à questão levantada não é das simples, pois o que temos sobre a mesa é o desafio de saber construir, em termos colaborativos, uma Região-Cidade resiliente e sustentável, dados os choques externos a que todos os territórios, sem exceção, têm estado sujeitos por intermédio de diferentes canais, tais como o financeiro, o da saúde pública e, mais recentemente, o do conflito armado com contornos de incerteza acentuada.
As áreas metropolitanas, as cidades, as vilas e as aldeias de todo o mundo, continuam a crescer, a ritmos diferentes, e a suportar, cada vez mais, os custos da insegurança alimentar e nutricional. As cidades vêem-se, frequentemente, como tendo um papel limitado em assegurar a equidade no acesso dos seus habitantes a alimentos suficientes, adequados, acessíveis, nutritivos e seguros. Os fatores que limitam o acesso incluem a volatilidade e o rápido aumento dos preços dos fertilizantes, da energia, dos alimentos, bem como dependem de diversas perturbações no fornecimento de alimentos, causados por catástrofes naturais, problemas de saúde pública e outros efeitos das alterações climáticas.
As cidades, dada a sua natureza de aglomeração polarizadora, devem construir sistemas alimentares mais resilientes e sustentáveis, no sentido de: melhor prevenir e reduzir os desperdícios alimentares; proporcionar oportunidades de subsistência decentes aos produtores rurais, periurbanos e urbanos; promover formas sustentáveis de produção, transformação e comercialização de alimentos; e garantir a segurança alimentar e nutricional para todos os consumidores e atores da cadeia de valor.
Ao nível institucional, os governos das áreas metropolitanas, regiões, comunidades intermunicipais e cidades, têm vindo a participar cada vez mais e ativamente nos diálogos nacionais e internacionais sobre os sistemas alimentares e o futuro da segurança urbana e nutricional. Contudo, até agora, os gestores das cidades, em matéria de planeamento e ordenamento do território, não têm demonstrado ser capazes de ter um pensamento integrado, seguido de ação estratégica articulada, com foco nas políticas públicas e no planeamento do sistema alimentar. A ação necessária, implica que as cidades tenham a capacidade de olhar para além das suas próprias fronteiras administrativas e territoriais.
A este propósito, é de ressaltar que o sistema alimentar de qualquer cidade é um híbrido, que combina diferentes meios de abastecimento, fornecimento e consumo alimentar. Algumas cidades dependem, principalmente, de explorações agrícolas urbanas, periurbanas e rurais próximas e de processadores de alimentos, enquanto que outras dependem de alimentos produzidos e processados noutros países ou continentes. Os sistemas alimentares ligam comunidades rurais e urbanas dentro de um país, através de regiões, e por vezes, entre blocos económico-políticos e continentes. Em termos consequentes, as cidades e os sistemas urbanos de abastecimento alimentar desempenham um papel importante na formação das suas áreas circundantes e das zonas rurais mais distantes. O uso do solo, a produção alimentar, a gestão ambiental, o transporte e a distribuição, a comercialização, o consumo e a gestão da água, são motivos de preocupação, tanto nas zonas urbanas como nas rurais.
Assim sendo, uma nova abordagem do Sistema Alimentar na Região-Cidade (SARC), pode conferir uma base inovadora para efeitos de uma transformação estrutural, seguida da implementação de novas políticas públicas de coesão territorial e de ecologia industrial. Trabalhar, simultaneamente, ao nível das regiões urbanas, periurbanas e rurais, em sede dos chamados ecossistemas urbano-rurais, pode potenciar a complexidade das ligações urbano-rurais a um nível prático, fazendo dos alimentos um denominador comum. Tal implica também que, questões mais vastas (ao nível do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) possam ser abordadas de uma forma mais focalizada e local. Neste âmbito, a concretização de um objetivo comum tendente à melhoria concertada dos sistemas alimentares das regiões urbanas, poderá ajudar a alcançar melhores condições económicas, sociais e ambientais, tanto nas zonas urbanas como nas zonas rurais próximas, reforçando o bem-estar dos residentes.
Adicionalmente, o SARC pode providenciar o acesso a alimentos comercializados a preços acessíveis e nutritivos de produtores locais e regionais, contribuindo para a melhoria da segurança alimentar e nutricional dos consumidores, e o aumento da transparência na cadeia alimentar.
A um outro nível, o SARC pode ainda potenciar o acesso a mercados existentes e o apoio a mercados alternativos (ou seja, mercados de agricultores e bio agricultura apoiada pela comunidade), o que irá melhorar os meios de subsistência tanto dos produtores de micro, pequena e média escala, como a produtividade dos atores de grande escala. Assim, os polos alimentares locais e regionais, as cadeias de valor mais curtas, e as cadeias de abastecimento agrícola mais amplas, eficientes e funcionais, que liguem os produtores do interior aos sistemas de mercado das regiões urbanas, podem contribuir para dietas sustentáveis, reduzir o desperdício alimentar ao longo da cadeia, bem como estabilizar os meios de subsistência na distribuição, transformação e fabrico de produtos alimentares e de fibras.
A nível europeu, um número crescente de regiões já percebeu a importância do seu sistema alimentar e da responsabilidade social para com ele. O desenvolvimento de um sistema alimentar resiliente na Região-Cidade requer uma vontade política, a utilização de instrumentos de política e planeamento disponíveis (infraestruturas e logística, contratos públicos, formas de propriedade intelectual, licenças e planeamento do uso do solo), o envolvimento de diferentes entidades e agências governamentais, bem como de novas estruturas organizacionais a diferentes escalas (regionais, supramunicipais e municipais). As estratégias alimentares integradas da Região-Cidade devem ser transversais e atravessar diferentes domínios de política pública. Um desafio adicional é o de organizar a responsabilidade administrativa e política de implementar uma estratégia alimentar na Região-Cidade da Beira Interior, em termos utópicos, entre o Douro e o Tejo, como tenho defendido!
João Leitão
Universidade da Beira Interior, NECE
Universidade de Lisboa, CEG-IST e Instituto de Ciências Sociais (ICS)
EIT Food RIS Policy Council
Comments