Qualidade de Vida no Trabalho e Performance Organizacional
- João Leitão
- 22 de mar. de 2020
- 6 min de leitura

A qualidade de vida no trabalho está associada à satisfação no trabalho, motivação, produtividade, saúde, segurança e, indissociavelmente, ao bem-estar. A relação entre a qualidade de vida e a produtividade tem vindo a ser objeto de estudo, mas seguindo, sobretudo, uma abordagem económica, na perspetiva de melhor conhecer os fatores que afetam o binómio resultado versus recursos alocados, com a tónica colocada na eficiência operacional. Contudo, muito há por aprofundar no que respeita à abordagem comportamental da economia organizacional, que valoriza o papel assumido pelos lideres ou gestores responsáveis na criação de dinâmicas de qualidade de vida no trabalho e bem-estar, em contexto organizacional.
Há certas componentes da qualidade de vida no trabalho que continuam inexploradas, tais como as necessidades sócio emocionais e psicológicas dos trabalhadores e a valorização de ativos intangíveis relacionados com a cultura organizacional de equipa unida e socialmente responsável. Essas componentes, ainda não tão extensivamente estudadas, requerem uma visão mais comportamental e, por esse motivo, mais subjetiva, no sentido de melhor desvendar as componentes da qualidade de vida no trabalho que podem ter maior influência na satisfação no trabalho, na motivação intrínseca e extrínseca, na produtividade, mas também no sentimento mobilizador da vontade própria do colaborador em participar com a dedicação individual no esforço coletivo de reforço da performance organizacional, por intermédio da produtividade.
Torna-se então necessário saber mais sobre as motivações não económicas (comportamentais e subjetivas) que levam os colaboradores a contribuir prontamente para o fortalecimento da produtividade da sua organização.
De acordo com a visão mais recente dos indicadores de produtividade da OCDE, há uma elevada variabilidade de produtividade de organização para organização; o que sinaliza a necessidade de realizar mais estudos sobre os fatores determinantes individuais da produtividade organizacional. Aqui requer-se uma mudança de foco, da análise estritamente macro, para uma análise inovadoramente micro, com foco no indivíduo e nos mecanismos de decisão do foro comportamental e subjetivo.
O estudo científico [1] aqui apresentado, de forma sumária, foi recentemente desenvolvido no âmbito de um projeto de colaboração europeu, assumindo uma importância particularmente relevante, na medida em que é parco o conhecimento acerca das condições necessárias para promover as componentes comportamental e subjetiva de satisfação com a qualidade de vida no trabalho, tendo como foco inovador o sentimento de contribuição de cada colaborador para promover a produtividade da sua organização pública ou privada.
O objetivo principal do estudo foi revelar a satisfação dos colaboradores com as oportunidades e condições fornecidas pelo seu empregador tendo em conta a qualidade de vida no trabalho e os seus interesses em ter um estilo de vida mais saudável, mais satisfatório e mais feliz, bem como o modo como o local de trabalho pode oferecer oportunidades que contribuam para melhorar a produtividade, através do reforço do bem-estar.
Este estudo revela, de forma pioneira, a importância das componentes comportamentais e subjetivas da qualidade de vida no trabalho e a sua influência na constituição do desejo individual do colaborador contribuir para a produtividade da organização.
A recolha de dados baseou-se na administração de questionários, de abril a julho de 2018, em doze parceiros, de seis países Europeus: Itália; Bulgária; Chipre; Grécia; Espanha; e Portugal. A amostra abrangeu 514 questionários, de pelo menos 15 empresas privadas e 5 entidades públicas ou grandes empresas, e duas entrevistas, por parceiro europeu participante.
Com este estudo pioneiro foi desenvolvida uma ferramenta inovadora para produzir informação, a partir dos dados recolhidos e, deste modo, avaliar a qualidade de vida no trabalho, o que permite a exploração da relação entre a qualidade de vida no trabalho e a perceção do colaborador acerca da sua contribuição individual para a produtividade.
Os resultados, em termos descritivos, indicam que, para os participantes no estudo: 80% revela que se sente fisicamente seguro no local de trabalho; mais de 77% está satisfeito com as condições de segurança e higiene do seu local de trabalho; cerca de 80% sente que contribui ativamente para a produtividade da organização; e cerca de 83% declarou que, o sentimento de ter um trabalho relevante, é extremamente importante para ser produtivo.
Uma análise correlacional dos dados recolhidos, permite evidenciar que o nível de educação universitária tem uma associação positiva e significativa com o sentimento individual de contribuição para a produtividade da organização. É também possível reter que quanto mais velho for o colaborador, maior será a probabilidade associada de este reportar um sentimento positivo de contribuição para a produtividade da sua organização. Em adição, os colaboradores que reportam o referido sentimento positivo de contribuição para a produtividade, ocupam, na maioria das vezes, cargos de gestão e direção dentro das suas organizações.
Os resultados deste estudo contribuem para evidenciar a importância de fatores ainda inexplorados, sob o ponto de vista científico, tais como: a importância de os colaboradores serem apoiados e prezados pelo aumento da produtividade; a possibilidade de gozarem de um bom ambiente de trabalho, seguro e higiénico, o que influencia positivamente o sentimento de produtividade; e o sentimento de respeito pessoal e profissional, pois os colaboradores que se sentem respeitados como pessoas e profissionais irão contribuir mais para a produtividade da organização.
Esta análise empírica contribui para uma maior atenção e importância dedicada aos estudos que versam a relação entre a qualidade de vida no trabalho e a performance organizacional de duas formas distintas, a saber: identificando fatores que podem influenciar o desempenho organizacional, representado aqui por uma medida alternativa referente ao sentimento individual do colaborador em contribuir para a produtividade da organização; e propondo uma nova agenda de ação estratégica para os gestores de capital humano, colocando o foco da sua atuação nas componentes comportamentais e subjetivas da qualidade de vida no trabalho, que podem ajudar a fortalecer a produtividade no contexto organizacional, seguindo uma abordagem comportamental, tanto ao nível organizacional, como ao nível individual.
Neste entorno, apresentam-se recomendações diversas a gestores de capital humano que devem procurar cumprir uma nova agenda de ação estratégica prosseguindo as seguintes prioridades: (1) fomento de uma cultura organizacional que valorize as práticas comportamentais de respeito do líder em relação aos colaboradores (entenda-se, subordinados hierárquicos) no contexto organizacional; (2) promoção de emoções positivas nos colaboradores, garantindo-lhes que são apreciados e valorizados como pessoas e profissionais no local de trabalho; (3) garantia de que os líderes protegem os colaboradores de condições perigosas, para reduzir sentimentos de incerteza e risco; e (4) foco na importância das tarefas desempenhadas pelos colaboradores.
A prossecução desta agenda visa aprofundar a importância da qualidade de gestão do lado humano da produtividade das organizações, apontando no sentido de não obstante a renumeração ainda ser considerada como um poderoso tónico individual da produtividade do colaborador, é tempo para perceber a importância que as componentes comportamentais e subjetivas podem ter no reforço da performance organizacional, com base no sentimento positivo individual de contribuição para a produtividade da organização como um todo.
A promoção deste tipo de condições na organização irá contribuir para moldar comportamentos e criar mais valias subjetivas, que são passíveis de determinar a atratividade e o sentimento de pertença a uma dada organização e, portanto, não só o capital de retenção do employer branding, para os colaboradores atuais, como também o capital de atração para colaboradores futuros.
Neste sentido, abrem-se as portas de um debate interdisciplinar e multidimensional sobre a necessidade de uma maior compreensão acerca da importância assumida pela cultura organizacional, utilizando perspetivas cruzadas sobre as dimensões: individual; organizacional; e de saúde, para ser capaz de fornecer linhas estratégicas para novas políticas organizacionais. Estas devem estar intrinsecamente ligadas a um conjunto altamente diferenciador de valores e crenças, visto que essas políticas determinam os objetivos comportamentais de uma organização, em articulação com a desejável autoeficácia em termos de motivação e gestão dos colaboradores.
Em termos relacionados, fica aqui identificado o desafio adicional para os gestores de capital humano e os investigadores interessados de identificarem, em conjunto, novas métricas objetivas e subjetivas, no sentido de melhorar a avaliação de diferenças hipotéticas nas relações estabelecidas entre as componentes da qualidade de vida no trabalho e a performance organizacional, também esta última medida em termos objetivos (ou seja, económicos) ou subjetivos (isto é, não económicos). Tal implica o desenho de novos instrumentos de avaliação que visem avaliar os sentimentos dos líderes em relação à performance dos colaboradores e, posteriormente, produzir uma análise comparativa entre as perceções dos líderes e dos colaboradores relativamente às contribuições individuais e coletivas para a produtividade da organização.
Para o futuro, é sugerido um estudo mais aprofundado da relação entre a qualidade de vida no trabalho e a produtividade organizacional, fazendo uma análise comparativa entre diferentes perfis de cultura organizacional, considerando outros contextos de localização organizacional, por exemplo, na América, Ásia, Europa, África e Oceânia. Nesta linha de análise, seria também interessante prosseguir com a exploração desta problemática, explorando diferentes contextos de governança corporativa, por exemplo, multinacionais, controlo familiar, gestão feminina, gestão com diversidade étnica, gestão com espiritualidade e gestão com valores. Outra via de pesquisa futura poderia ainda incidir sobre a possibilidade de, no contexto organizacional, serem utilizadas novas formas de design organizacional e gestão capazes de mudar o comportamento de forma subjetiva, inclusiva e participativa. É necessário, portanto, explorar como o design thinking, a gamificação organizacional e a cocriação podem mobilizar tanto os líderes como os colaboradores para contribuírem, efetivamente, para a melhoria da qualidade de vida no trabalho, em termos sustentáveis, e por consequência da performance organizacional.
João Leitão, Dina Pereira e Ângela Gonçalves
Universidade da Beira Interior
Núcleo de Estudos em Ciências Empresariais (NECE)
Publicado na Revista Human Resources
[1] Para informações mais detalhadas consultar o artigo científico: Leitão, J.; Pereira, D.; Gonçalves, Â. Quality of Work Life and Organizational Performance: Workers’ Feelings of Contributing, or Not, to the Organization’s Productivity. Int. J. Environ. Res. Public Health 2019, 16, 3803; publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health - Open Access Journal, MDPI.
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