Diversificação Estratégica de Distritos Industriais
- João Leitão
- 22 de mar. de 2020
- 3 min de leitura

Para melhor compreender as especificidades da cultura portuguesa de empreendedorismo industrial, torna-se útil realizar um exercício de revisão das principais características de um distrito industrial a la Marshall, designadamente: estrutura de mercado atomizada, sendo dominada por micro e pequenas empresas; economias de escala irrelevantes; fluxos de comércio intra-distrital substanciais entre compradores e vendedores (fornecedores); decisões-chave de investimento realizadas localmente; contratos e compromissos de longa duração entre compradores e vendedores (fornecedores); reduzida cooperação ou ligação com empresas externas ao distrito industrial; mercado de trabalho é intrínseco ao distrito e altamente flexível; trabalhadores comprometidos, sobretudo, com o distrito, em detrimento das empresas; taxas elevadas de rotatividade interna de trabalhadores e taxas reduzidas de rotatividade externa de trabalhadores; evolução em direção a uma identidade cultural local e única; fontes de financiamento especializadas e serviços de suporte disponíveis no distrito; existência do chamado “capital de paciente” dentro do distrito; e turbulência empresarial (dada pela entrada e saída de empresas), não obstante existirem boas perspetivas de crescimento e emprego no longo prazo, em especial na desejável variante italiana de distrito industrial.
Assim sendo, e cruzando com a visão do Maestro Becattini, a referida variante italiana de distrito industrial caracteriza-se por: uma elevada incidência de intercâmbio de pessoal entre compradores e vendedores (fornecedores); alto nível de cooperação entre empresas competidoras (isto é, coopetição), para efeitos de partilha de risco, estabilização do mercado e partilha da inovação; quotas desproporcionalmente elevadas de pessoal afeto a atividades de design e inovação; fortes associações comerciais e empresariais que proporcionam acesso a infraestruturas e serviços de apoio técnico, financeiro, marketing, treino e formação; e forte ação de regulação por parte dos órgãos de governo local na promoção das chamadas indústrias principais (ou seja, as apostas estratégicas).
As perspetivas de Marshall e Becattini devem ser usadas para alicerçar e aprofundar as fontes de uma nova cultura de empreendedorismo portuguesa, designadamente, através do desenho e da subsequente operacionalização de ecossistemas de empreendedorismo e inovação assentes na metodologia proposta pela Kauffman Foundation, em 2015.
Assim, a cultura de empreendedorismo portuguesa deve ser fundada em quatro novos pilares: densidade; fluidez; conectividade; e diversidade.
O primeiro pilar da densidade está intrinsecamente ligado à densidade de novas e jovens empresas (start-ups), ao emprego gerado por essas empresas e à densidade das indústrias principais, que podem não ser apenas as indústrias de alta tecnologia, ou seja, há espaço e oportunidades para a valorização das indústrias de média e baixa tecnologia, nos diferentes setores de atividade económica: primário; secundário; e terciário.
O segundo pilar é o da fluidez, que depende dos fluxos populacionais (incluindo população residente e população móvel), da capacidade de realocação de recursos do mercado de trabalho (reciclagem e integração de mão-de-obra qualificada e não tão qualificada, sem precaridade) e do número de empresas de elevado crescimento.
O terceiro pilar diz respeito à conectividade, a qual assenta na conectividade entre políticas públicas e programas de incentivo ao financiamento, investimento e coopetição (com natureza transversal), no poder das redes de negociação, em especial, as promotoras da internacionalização das unidades empresariais e de esquemas assertivos de pré-incubação e incubação tendentes à criação e ao crescimento de spin-offs.
O quarto pilar é o referente à diversidade, ou seja, o mais importante no sentido de assegurar um processo de transição, bem-sucedido, do modelo de clusters industriais a la Porter, em direção à diversidade de clusters de inovação aberta, seguindo uma política holística de empreendedorismo, inovação e coopetição orientada para a criação de ecossistemas. No âmbito deste processo, é necessário valorizar a amplitude de atuação das comunidades imigrantes, ao nível das redes de distribuição e diplomacia económica, a mobilidade do rendimento e, sobretudo, a opção pela diversificação estratégica como antítese inteligente à concentração espacial de especializações produtivas.
A opção pela diversificação estratégica, para além de ser mais exigente, sob o ponto de vista de políticas públicas, é também uma via mais ambiciosa e disruptiva para concretizar de facto uma nova cultura de empreendedorismo portuguesa, tendo por base a diversificação da concentração espacial de atividades económicas adstritas aos distritos industriais das regiões portuguesas.
João Leitão
Universidade da Beira Interior
Núcleo de Estudos em Ciências Empresariais (NECE)
Publicado no Jornal do Fundão
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